O meu Reino não é deste mundo
Regnum meum non est de hoc mundo (O meu reino não é deste mundo1)
Adveniat
regnum tuum3
Muito se fala e se ouve falar sobre a necessidade de
construir o reino de Deus neste mundo chamado Terra. Diversos pregadores e
escritores têm repetido ao longo dos tempos em suas colocações, que é preciso
construir o Reino de Deus, arrogando para si e convocando outros para assumir
essa responsabilidade.
Porém, antes disso é preciso saber então o que ou
como é esse reino e quem encarregou o ser humano de tal empreitada.
Quando Jesus Cristo fala que pela Sua presença e ação
o Reino de Deus já é chegado ao mundo - profecto
pervenit in vos regnum Dei2, não dá a entender que esse Reino
seja relacionado a construções aos moldes humanos. Ele não fala de um reino
político. Ao ser questionado por Pôncio Pilatos durante o julgamento sobre ser
rei, Ele confirma que é Rei, mas, adverte: Regnum
meum non est de hoc mundo1. Seria então possível ao ser humano
construir um reino que é sobrenatural?
Nas Escrituras não encontramos informações que
denotem que o Reino de Deus é uma estrutura de natureza político-social, tanto
é assim, que ao ensinar os discípulos a rezar Jesus mandar dizer Adveniat regnum tuum3, ou
seja, é algo já existente. A maior obra social realizada por Jesus foi devolver
a dignidade a quem já a havia perdido e a prosperidade ulterior era fruto do
próprio trabalho e não mero assistencialismo mágico e vazio de sentido.
Apesar de constar nos textos sagrados um lugar
denominado como a Jerusalém celeste4, uma cidade brilhante com ruas
de ouro e mar de cristal que desce de junto de Deus, parece não haver razões
para crer que esse seria o local do Reino de Deus, ademais, se essa cidade
celeste fosse o reino de Deus, já estaria construída, e, portanto, não haveria
necessidade da intervenção humana para construí-la.
Euntes autem prædicate, dicentes: Quia appropinquavit regnum cælorum.5
A ordem de Jesus aos Apóstolos é para pregar o
Evangelho e dizer que o Reino dos Céus está próximo. Ele não diz para construir
o Reino. Os textos Sagrados, dão a impressão de que Jesus é propriamente o
Reino de Deus, pois, a Sua Pessoa torna presente esse reino onde quer que Ele
esteja. Os frutos que brotam a partir da presença de Jesus, como: conversão,
bondade, longanimidade, humildade, entre outros, parecem “construir” o Reino de
Deus entre os povos, não como um edifício de pedras, mas, espiritual6,
constituído de pedras vivas do qual o Cristo é a Pedra Angular. Podemos afirmar
então, que o Reino de Deus não é uma construção que depende da ação humana e
sim da conversão do homem ao plano de Deus.
Ora, a conversão do coração humano à vontade de Deus
abriria o caminho para que Ele mesmo estabelecesse o Seu reino entre nós, não
por ação direta humana, mas por disposição voluntária, pois, tendo sido o
coração transformado, pelos frutos do Espírito Santo7 a sociedade
seria também transformada. A participação humana nessa “construção” seria uma
metanoia que daria ao homem a disposição necessária, para então, pelos frutos
da Graça, “tornar presente” o Reino
de Deus que é o próprio Deus, por ação direta Dele na vontade humana e não por
força humana.
Ao referir-se ao Reino de Deus, Jesus nunca o
comparou a uma estrutura político-social, mas sempre usou figuras como a
semente de mostarda, a do agricultor que semeia mas não tem poder de fazer
crescer a semente restando-lhe apenas esperar sem saber como acontece8.
Comparou-o também ao fermento que a mulher mistura na massa9.
São Paulo afirma que o “Reino de Deus não é comida nem bebida, mas, justiça, paz e gozo no
Espírito santo10, ou seja, é algo transcedente e não imanente.
Mais uma vez a descrição do Reino de Deus não parece denotar estruturas
terrenas construídas pelos homens. São Paulo usa a mesma linha de Jesus ao se
referir ao assunto.
Seria até mesmo temerário o homem ter a pretensão de
querer construir um reino de amor, paz e justiça e dar a esse reino o nome de
reino de Deus, tendo em vista que o senso humano de amor, paz e justiça pode
ser falho, porque é construído a partir de conceitos formados pela própria
mente humana sem garantia infalível de que sejam os mesmos pensamentos de Deus,
pois, como diz a Escritura: Non enim
cogitationes meæ cogitationes vestræ, neque viæ vestræ viæ meæ, dicit Dominus11. O próprio Jesus disse a Pedro que os
seus pensamentos - de Pedro- não eram os de Deus: Vade post me Satana, scandalum es mihi: quia non sapis ea quæ Dei sunt,
sed ea quæ hominum12. Portanto, a imagem que o homem tem do
Reino de Deus pode estar distorcida e tentar implantá-la pode ser mais daninho
do que benéfico.
Assim comas Escrituras, ao lermos sobre a vida dos
Santos, podemos notar que eles também não quiseram construir o Reino de Deus.
Eles apenas quiseram fazer a vontade de Deus, para um dia chegar ao Reino
celeste, e tiveram o coração rendido a vontade de Deus. Trabalharam sim na
missão de evangelizar o povo conforme a ordem de Jesus. Ter o coração
convertido, contrito e disposto já faz acontecer o Reino de Deus por trazer ao
mudo a graça santificadora do Espírito Santo.O Evangelho e o testemunho dos
santos nos mostram que esse é o caminho para se alcançar e não construir o
Reino de Deus.
"O
reino de Deus não é um conceito político, e por isso, tampouco é um critério a
partir do qual se possa construir uma práxis política ou uma crítica de certas
ações políticas. A realização do Reino de Deus não é um processo político, e
concebê-lo desse modo significa falsificar tanto a política como a teologia. O
resultado disso é o surgimento de falsos messianismos que, por sua própria
essência e a partir da lógica interna das pretensões messiânicas, desembocam
nos diversos tipos de totalitarismo."13
Fabrício Alves da Silva
Referências:
1.
Jo 18, 36;
2.
Lucas 11, 20;
3.
Mateus 6, 10;
4.
Apocalipse 21, 2;
5.
Mateus 10, 7;
6.
I Pedro 2,5ss;
7.
Gálatas 5, 22;
8.
Marcos 4, 26ss; Lucas 13, 19;
9.
Romanos 14,17
10. Lucas 13,21;
11. Isaías 55,
8;
12. Mateus 16,
23.
13. Joseph
Ratzinger; Escatologia: morte e vida eterna, pág. 75.
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